quinta-feira, 18 de abril de 2024
Helena Ribeiro: “Não é gênero que define competência”

Helena Ribeiro: “Não é gênero que define competência”

Líder do Grupo de Mulheres do Brasil, a empresária goiana fala sobre como as mulheres podem empreender e ganhar mais independência.

9 de março de 2024

Helena Ribeiro: “As mulheres sempre são colocadas à prova do seu preparo e competência nos negócios”

A afirmação é da empresária Helena Ribeiro, que faz parte do Grupo Mulheres do Brasil, como líder do Núcleo Goiás. Em entrevista ao EMPREENDER EM GOIÁS, ela reconhece que a situação das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade melhorou nos últimos tempos. Mas, pesquisas ainda revelam discrepância para que as mulheres sejam reconhecidas como case de sucesso.

“Houve avanço, mas as mulheres sempre são colocadas à prova do seu preparo e competência nos negócios”, afirma. Além disso, o Grupo Mulheres do Brasil preza muito por caminhos para que, de fato, ocorra equidade nas empresas e que as mulheres possam estar cada vez mais à frente de cargos de alta gerência.

Qual é o espaço da mulher no mercado de trabalho e no empreendedorismo? Como está isso atualmente?

Cresceu muito nos últimos cinco anos. Não vou nem colocar dez. Está bem mais acessível para mulheres. Mas ainda temos uma cultura que vem lá do passado, do patriarcado, que nos ensinou que nosso papel é cuidar da família e do lar. E também que a gente não era protagonista no mundo do trabalho. Isso ainda está muito arraigado na sociedade. E, em nós, mulheres.

Acho que o grande fator é essa conscientização acerca de nós mesmas. Autoconfiança é o que precisamos ter. E isso melhorou bastante. Exemplo é essa união das mulheres para discutir, propor soluções e facilitar a atuação da mulher em temas como esse. Até porque a Constituição nos garante igualdade e direitos para homens e mulheres.

O que precisa ser feito?

Precisamos usar esse espaço que a gente tem, de acordo com a melhor escolha. Se quiser ficar em casa cuidando do seu filho, está muito certo. Se eu quiser ser motorista de caminhão, também está tudo certo. Porque a gente acredita na capacidade e liberdade de escolha. Fisicamente a gente é diferente. De uma forma também analógica, pensamos diferente. Porém, as mulheres têm capacidades intelectuais e em variados tipos de trabalhos. Não é gênero que define a competência.

Quais são os outros desafios para as mulheres no mercado do trabalho em âmbito nacional e em Goiás? Quais você pode listar?

O grande desafio é realmente a gente saber administrar a vida pessoal e profissional. Somos multi papéis e o nosso papel na maternidade é para mim o mais importante. Papel de mãe não se delega. Eu fui empreendedora desde os 24 anos de idade. É fundamental acreditar em você e ter boa autoestima, caso contrário pode bater uma culpa e você perde o estímulo. Porque pode acreditar estar saindo do seu papel de mulher, de mãe, de cuidar da casa para ir para o mundo do trabalho e deixar seus filhos com outros. E isso é cultural, dá muita culpa. Então esse é um impeditivo. A própria representatividade feminina não tem muito para ser exemplo.

“O grande desafio é investir na formação para ter o protagonismo não só no papel da família, mas também na sociedade.”

Mas qual é o principal desafio?

Em Goiás e no Brasil, não é muito diferente. Se você for buscar em Goiás, são muitas as mulheres que abrem seu próprio negócio, a maioria nos pequenos negócios. Muitas delas fazem parte da empresa, mas não é a empreendedora principal. Então, o grande desafio é investir na formação para ter o protagonismo não só no papel da família, mas também na sociedade. É preciso trabalhar a autoconfiança, se informar e preparar para chegar e impor o seu papel em outras importantes áreas como na política e na liderança de grandes empresas e projetos que ela seja competente e capacitada.

Por que?

Porque ela já era, naturalmente, discriminada em alguns ambientes. As grandes decisões empresariais e governamentais são feitas por homens, sejam conselheiros de presidentes, gestores e diretores. Nós somos minoria em variados ambientes, apesar de sermos mais de 50% da população brasileira e estarmos em educação bem preparadas. Nós somos a maioria na faculdade, nos cursos superiores de especialização, como as pós-graduação e MBA. Mas isso não é refletido no mercado de trabalho.

Apesar disso, você nota que as mulheres têm conquistado ainda maiores posições?

Com certeza. De 2022 para cá, aumentamos em quase 30% a participação de mulheres em cargos de alta gestão e direção. Isso porque cresce a conscientização das próprias empresas com o tema. Hoje as empresas são valorizadas pelas melhores práticas de equidade de gênero e pela diversidade. As que têm maior valor quando buscam trabalhar a sustentabilidade, a diversidade e a igualdade de gênero.

Então, muitas têm tomado essa iniciativa, têm oferecido mais oportunidades. Conheço empresas que a área de RH tem como regra oferecer as vagas em número de igualdade para ambos. É obrigado no recrutamento ter o mesmo número de mulheres e de homens para concorrer a vaga. Aí o que vale é a competência. Em contrapartida, em cargos de presidência ainda somos apenas 0,3%

O que ainda precisa ser feito para que mais mulheres estejam dentro de ambientes corporativos e que elas ganhem esse reconhecimento merecido?

Mais participação e iniciativas das próprias empresas e uma decisão que tem que partir da própria mulher. Ou seja, querer e saber fazer suas escolhas e se impor como profissional competente e que possa administrar seus horários nos diversos papéis e dupla jornada que ocupa. Porque volto a afirmar, o grande desafio da mulher é conciliar sua vida pessoal com a profissional. Isso é uma coisa que ela tem que romper e administrar bem. A gente quer ser super-mulher, não quer delegar nada da casa, as compras e a escola dos filhos. Sempre queremos estar presentes. Então, o grande desafio é a mulher se conscientizar que ela pode e que não tem problema nenhum delegar algumas coisas não essenciais.

Muito se defende a equidade de gênero no mercado de trabalho no Brasil, mas pouco se avança, segundo indicadores. O que pode ser feito para mudar isto?

De acordo com a ONU, apenas 15% das mulheres ocupam os conselhos de grandes companhias de capital aberto. No Brasil, somos 7% apenas. E como CEO, somente 3%; diretoras em torno de 14% e gestoras 42%. Desta forma, a equidade de gênero deixa de ser um problema apenas social e passar a ser econômico. Considerando que somos 45% em condições ativas no mercado de trabalho, se houver maior equidade podemos produzir mais 380 milhões em postos de trabalho. E gerar mais US$ 2 trilhões na economia mundial por ano.

Nós mulheres temos caraterísticas e habilidades interpessoais de soft skill que favorecem a liderança.

Está passando da hora de assumir o protagonismo?

Estudos mostram que nós mulheres temos caraterísticas e habilidades interpessoais de soft skill que favorecem a liderança. Porém temos o viés inconsciente que não somos capazes de liderar e gerir como os homes são. O próprio público que é gerenciado, pensa assim. Tem uma pesquisa que buscou saber dos funcionários, do sexo feminino e masculino, se eles prefeririam ser gerenciados por uma mulher ou por um homem. As próprias mulheres querem ser gerenciadas por um homem.

Então, é assim. Uma coisa que é de base, ter homens como chefes e mulheres cuidando das tarefas do lar. Esse é um dos principais trabalhos que o Grupo Mulheres do Brasil faz. Ou seja, unir milhares de mulheres para mostrar que o protagonismo pode ser nosso. Acho que é fundamental para termos uma sociedade justa e cidadã.

E as políticas públicas nesse sentido?

Também é importante adotar políticas públicas que possam apoiar, porque elas definem, significativamente, o rumo que a sociedade dá para essas situações de trabalho, de mercado e de economia. Acho que políticas públicas podem ajudar. Mas, principalmente, é a mulher estar preparada, confiante de que pode, de que é capaz. E se preparar sempre. Nunca deixe de estudar. Seja uma eterna aprendiz. Isso é extremamente importante para fazer o que você quiser.

As mulheres brasileiras e goianas têm se tornado mais empreendedoras? Quais as maiores dificuldades que elas encontram?

Nós somos 34% do total de negócios ativos. Isso são números atuais. Nós somos 10 milhões de empresas femininas. Só que você vai observar que a maioria está nos pequenos negócios e na área de serviços. Depois vêm comércio e indústria. São pequenas empresas, principalmente, na área de vestuário, beleza e outros segmentos. Então, a gente empreende ainda com essa carga restritiva do que este negócio pode impactar no meu tempo para outros papéis. Historicamente só começamos a empreender entre 1980 e 1990.

Qual o reflexo dessa demora no negócio?

Tem menos de 90 anos que a gente começou a ter direito a voto e há apenas 62 anos que passamos a ter um CPF para abrir uma empresa. Segundo levantamentos, a maioria das mulheres abre empresas, mas fecha antes de 5 anos. As que duram, hoje representam os 34% dos negócios ativos no país. E isso não muda muito em Goiás. Está próximo disso.

O que é preciso fazer para melhorar essa situação?

As mulheres precisam ter acesso a mais mentorias e de trabalhos que possam apoiá-las. É preciso que busquem ajuda em assuntos que não têm tanto domínio e que são de extrema importância para se abrir um negócio, como de finanças. Você precisa entender como isso funciona.

Além disso, como as mulheres podem se preparar melhor para ingressarem no mundo dos negócios?

Eu aconselho a participar de grupos de empreendedoras de mentorias de instituições e empresas com programas para formar e desenvolver seus talentos. Além do Grupo mulheres do Brasil, participo de grupos de conselheiras, e ainda participo de um no WhatsApp que tem 8 mil integrantes. Grupos que ajudam muito, criam identidade.

Então, participar de grupos faz você se sentir acolhida, entendida e bem informada. E, claro, que a união pode fazer ter a força e mais coragem de chegar lá, aprender, fazer e principalmente saber qual é sua principal escolha em acordo com seu propósito. Às vezes, ela vai precisar de ajuda mesmo para se descobrir, se autoconhecer. O autoconhecimento seria a chave para saber exatamente o que ela quer, onde ela quer chegar.

Como a tecnologia vem ajudando no desenvolvimento do trabalho do Grupo Mulheres do Brasil?

Após a pandemia, demos um impulso na questão de tecnologia em todos os setores. Na área de educação, que é onde eu atuo, fizemos em um mês o que faríamos em cinco anos. Então, isso nos conectou com o mundo e aconteceu com todos. Hoje, temos outras ferramentas de comunicação como as lives e cursos on line, oportunidades de conhecer tudo em qualquer lugar do mundo. A inteligência artificial nos dará mais recursos para tudo.

A mulher não pode é se perder. Precisa manter o foco. Você tem que conhecer suas metas, seus objetivos, seus propósitos e buscar atingir.

É preciso ter foco?

A mulher não pode é se perder. Precisa manter o foco. Você tem que conhecer suas metas, seus objetivos, seus propósitos e buscar atingir. A falta de foco hoje te leva para caminhos que, talvez, desviem do seu objetivo. Então, as mulheres precisam usar a tecnologia e tudo que pode proporcionar a seu favor. Hoje, ela pode se conectar com o mundo porque têm inúmeras oportunidades, principalmente nas redes sociais.

Mas ainda há passos que vêm de muito tempo e que ainda são importantes para empreender?

Sim. Empreender é desafiar seus limites, é recomeçar do zero se for necessário. Se preparar, conhecer profundamente seu negócio, buscar todas as informações de mercado, fazer um bom Business Plan, cuidar bem das finanças e da governança são fatores que vão definir a sobrevivência. São coisas que não mudaram e não têm como mudar, ou se prepara ou estará fora do mercado.

Foi assim com você?

Quando comecei eu queria impactar muita gente. Estudei Psicologia no modelo clínico e definitivamente não me agradava, eu não queria. Então, fui trabalhar com muita gente dentro de uma sala de treinamento, dentro das grandes empresas, para que eu pudesse cumprir meu propósito de influenciar e impactar muitas pessoas e não só uma. Quando você sabe o que quer, é preciso estudar aquilo profundamente. Você tem que buscar ajuda, ninguém faz grandes ideias virar negócio sem ajuda de pessoas talentosas que te complemente.

Onde buscar apoio?

Temos o Sebrae como grande criador de ferramentas e muito know how para o empreendedorismo. Endeavor é outra. A própria Fundação Getúlio Vargas, da qual faço parte, tem cursos de gestão e empreendedorismo ou específicos nas áreas estratégicas de gestão empresarial, comercial, marketing, projetos de finanças e controladoria, que são fundamentais. Por exemplo, se ela cria uma empresa de doce fantástica, mas só quer saber da produção e esquece da gestão de gente, não irá funcionar.

O que fazer?

Busque melhorar sempre no que você já é bom, você maximiza te ser excelente. O que você não é bom, você não tem que desenvolver. Tem que buscar gente para te complementar. Ou, então, você vai ficar medíocre. Por fim, outra questão crucial é ter caixa para tocar seu negócio. Hoje é muito difícil para qualquer empresário obter crédito no Brasil. Outro problema é conhecer e acompanhar essa legislação maluca brasileira.

O que o Grupo Mulheres do Brasil tem feito para ajudar a administrar a questão da diversidade e inclusão no mercado de trabalho?

Uma coisa interessante do Grupo Mulheres do Brasil é a organização e governança em núcleos pelas cidades brasileiras e do mundo. Nós temos uma administração de multinacional, pois é mesmo muito grande. A gente busca soluções locais com aplicações nacionais. Eu estou em Goiás, então vou valorizar os projetos daqui. A gente não vai reinventar a roda. E os projetos daqui, de repente, podem ir para todo o Brasil.

O que já foi feito em Goiás e aproveitado?

Nós fizemos projeto de empreendedorismo com o Sebrae e fomos as mentoras das mulheres no curso. Foi novo, começou aqui e já está no Brasil inteiro. É preciso também buscar aliados no governo e nas instituições, principalmente das ONGs. Ou seja, em qualquer tipo de iniciativa, você traz para o seu lado e melhora. Juntas somos mais fortes.

Qual foi a maior dificuldade que vocês tiveram para realizar um trabalho de desenvolvimento de lideranças femininas?

Olha, principalmente, a falta de representatividade feminina nos movimentos. Nós não temos cargos dentro do GMdB. A Luiza (Trajano), que é uma grande empresária, nos apoia e busca em outras grandes empresas, bancos mundiais, sociedade civil como todo união em prol da causa. Em todo mundo é igual. Buscamos mulheres na comunidade representantes de todas as classes sociais que são livres. A gente tem muita dificuldade de ter mulheres com engajamento e disponibilidade de trabalhar voluntariamente, para um movimento que vai trazer benefício para outras mulheres mundialmente. Mas avançamos muito, já fizemos muito e ainda há muito a fazer.

A proposta de trabalho do Grupo Mulheres do Brasil ainda é uma semente?

Então, essa representatividade, essa vontade de participar e a educação patriarcal dada a mulheres e mesmo os que acham que aquele é um movimento apenas feminista é ruim. Mas ser feminista para ajudar, levantar e levar outras mulheres está tudo certo. Não somos contra os homens. Primeiro, nós somos a favor das mulheres e também da complementaridade.

Só acho que é uma conscientização para as próximas gerações. Não vai se resolver nessa, mas eu acho que a nossa geração é a que ainda está falando, não se cale diante das injustiças. Somos uma semente. Eu considero que o Grupo Mulheres do Brasil é uma semente que a gente está semeando para mostrar que a sociedade civil pode fazer muita coisa e tem força para um transformar.

E os projetos para 2024?

A cada ano, escolhemos um tema onde serão trabalhadas ações nos 365 dias. Em 2024, o tema é redução da violência doméstica. Curiosamente, a relação entre empreender e violência doméstica não é algo distante, como alguns pensam. Muitas mulheres conseguiram pôr um fim às mais variadas formas de agressões quando se viram libertas financeiramente dos seus agressores.

Saiba mais: Goiás: 10% das mulheres são empreendedoras

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